sexta-feira, 5 de junho de 2009
Lula Cortes e Zé Ramalho - Paêbirú (1975)
Hoje decidi postar aqui no nosso querido boteco um som mais progressivo. Calma!, com uma história um pouco longa tudo irá fazer sentido. Se você está espantado de ver aqui o nome do musico popular Zé Ramalho e se perguntando “O que esse cara tem a ver com progressivo ?”, você já deveria saber que antes que Zé Ramalho lança-se seu disco de estréia, inclusive com participação especial do Ex-Yes Patrick Moraz em uma das faixas, ele foi um dos responsáveis por um dos registros fonográficos mais instigante e obscuro da musica brasileira, disco esse que se destacou dentre os grandes "classicos" do pscodelismo mundial , sendo muito elogiado na Europa e EUA, considerado uma verdadeira “jóia rara” da musica. Tudo isso, sem ter ate hoje um relançamento digno e a altura de sua importância. E pensar que o sol quente e a terra seca do nordeste daqueles tempos difíceis, foram capazes de gerar uma relíquia de valor inestimável para o mundo da musica.
Em meio a explosão do rock progressivo na primeira metade dos anos 70, um jovem Zé Ramalho em inicio de carreira, já estava carregando alguma bagagem musical, pois chegou a transitar por bandas de rock com influencia da jovem guarda no final dos anos 60 e inicio dos 70 como guitarrista fazendo cover dos Beatles entre outras bandas, porem as coisas eram muito difíceis naquela antiga cidade de João Pessoa, para obter algum reconhecimento, ainda mais para um estudante de medicina que não largava do seu instrumento e sonhava em viver de musica. Com muita vontade de mudar, resolve desistir do curso e partir para onde o meio musical realmente acontecia no Brasil, o eixo Rio-São Paulo, porem ao chegar nas Metrópolis não conseguiu obter alguma oportunidade o que o fez voltar desiludido para Recife.
Quase paralelo a isso, mas precisamente em Outubro de 72, um musico com conhecimento profundo em musica Árabe, chamado Lula Cortês e que tocava Citara Marroquina , conheceria numa Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém, Lailson que tocava viola de 12 cordas no Trio Phetus (formado por Lailson, Zé da Flauta e Paulo Rafael, e terminou em 1973, sem deixar nada gravado), e que hoje em dia é um grande produtor gráfico, e ousaram gravar , de acordo com pesquisadores o primeiro disco independente do Brasil. O nome deste trabalho se chamava Satwa, nome em sânscrito que significa Harmonia, feito em janeiro de 1973 nos estúdios da Rozemblit, em apenas dois canais. O disco ainda tinha a participação de um iniciante guitarrista na época, Robertinho do Recife e seu som era basicamente pscodelia nordestina misturada com ritmos regionais e alguma coisa de tropicalismo. Hoje uma raridade e uma ousadia para a época ao lado de “Não fale com parede” do grupo carioca Modulo 1000. Ao que consta o som deste disco não era muito bom, mas tinha um conteúdo excelente, como se não baste-se, ainda foi proibido pela censura. Essa turma toda de musicos, incluindo os integrantes do grupo Tamarineira Village foi apelidado pela imprensa como a Turma do Beco do Barato, por causa do bar onde costumavam tocar, fazendo uma brincadeira baseado nos mineiros do Clube da Esquina.
O que aconteceu é que em um desses encontros entre músicos, na época Zé Ramalho que tocava guitarra na banda de Alceu Valença, é apresentado a Lula Cortes, e após longas conversas sobre a profundidade da musica num sentido quase espiritual, logo notam que tinham uma identificação parecida, ao mesmo tempo em que Alceu apresentava Geraldo Azevedo músico em ascensão e já quase consolidado na musica regional, ambos Alceu Valença e Geraldo Azevedo, se lançaram na industria fonografica lançando um disco em dupla em 1972. Assim, eles se encontravam para tocar temas instrumentais com uma parafernália de instrumentos exóticos, e como as idéias pareciam mais interessantes a medida em que ia fluindo, resolveram gravar em um pequeno estúdio chamado Rozenblit do selo Mocambo e que ficava na beira do rio Capiberibe na Estrada dos Remédios, por sinal só havia ele e mais dois naquele tempo na cidade. O disco teve todo um cuidado para ser trabalhado, tanto em conceito interno como em estética externa já que o encarte era bem trabalhado em policromia “na época, uma ousadia”, e no final acabou mesmo sendo creditado a Zé Ramalho e Lula Cortes como autores do disco intitulado "Paêbirú", que na linguagem dos incas quer dizer "o caminho do sol". Há uma história não confirmada de que este disco só teve o nome dos dois, pois Alceu e Geraldo já tinha se lançado juntos e resolveram ser generosos com os companheiros optando por não colocar seus nomes na capa do disco. É até muito dificil de dizer qual a medida de contribuição de cada integrante, fora o fato de que não se sabe ao certo quais seria as outras pessoas que teriam participado do disco.
Na época, devido a uma forte enchente, a maioria das cópias da prensagem do disco, se perderam em meio uma enxurrada em um dos depósito da gravadora e somente umas 300 cópias estiveram em bom estado para manter viva as gravações que hoje são peças raras e muito re-gravado por pesquisadores amante de musica que aguardam há muito pelo seu relançamento em CD. Esse episódio seria cômico se não fosse trágico. Por causa disso, somente, até hoje esses são os únicos originais de "Paêbirú", que ainda estão nas mãos de felizardos que só vedem se for por uma boa bagatela. Mais cult que isso impossivel.
O álbum é conceitual em todos os sentidos, saiu como um LP duplo, e foi divido em quatro partes “cada lado do LP”, em analogia com os elementos mágicos: terra, ar, fogo e água. O disco é uma mistura impressionante Ravi Shankar, Pink Floyd num mesmo caldeirão com Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, alem de coisas que só existem nesse disco e que fica difícil buscar outras referencias, mas a única certeza é que não se trata de um álbum nada previsível.
A temática do disco é sobre a lendas comentadas em Ingá do Bacamarte, na Paraíba que fala sobre desvendar os segredos de Sumé, um feiticeiro que teria descido das estrelas em longínquas eras para passar ensinamentos aos índios. Até pouco tempo se debatiam sobre essas lendas como as das inscrições rupestres encontradas nas grutas de lá e que seriam autoria de seres extra-terrenos. Historiadores dizem que foram os fenícios os responsáveis pelos desenhos.
Talvez o maior idealizador do disco seja Lula Cortês que sempre foi um musico ligado a musica do oriente-médio, e que alem de trazer os mesmos músicos de seu projeto anterior para a gravação deste, foi o que melhor soube extrair dos outros a essência da mistura rítmica e fundir de uma maneira excepcional neste trabalho, obviamente somados aos talentosos músicos que dispunha. Depois ele partiu para uma carreira solo e gravou 4 discos, e acabou se dedicando mesmo as outras artes como a pintura.
Pode-se dizer também que o disco mostra algo da riqueza pouco explorada pela musica ocidental, que é os ritmos nordestinos: Frevo, Maracatu, Baião, etc aliada a musica milenar do oriente médio. Alias, não é por menos que o baião e o frevo do nordeste tem forte influencia da musica árabe devido aos mercadores que apareceram e se fixaram naquela região, fazendo com que muitos músicos aprende-sem sem ter teoria alguma a escala musical que define muito esse espírito, como o Mixolidio 4# que é a muito usado por músicos consagrados como Heraldo do Monte, Hermeto Pascoal e Sivuca.
O violão virtuoso que se ouve em todo o disco, é fruto de um duelo entre três grandes guitarristas brasileiros, já antes mesmo que aparece-se o grupo D'Àlma, que inspiraria Al Di Meola, Paco e MacLaughin, o "Trio virtuoso de Paêbirú" formado por Robertinho de Recife, Paulo Rafael e Ivinho davam o molho necessario para que a quimica funciona-se. Paulo Rafael e Ivinho tinham vindo, juntamente com o baterista deste disco, Israel Semente, de uma grande banda chamadaAve Sangria, que um ano antes escandalizou a midia com suas letras barradas pela censura, e deixaram apenas um disco gravado em 74, hoje em dia cultuados. Na verdade, o nome Ave Sangria foi um novo nome dado a banda Tamarineira Village que cansou de explicar o significado deste nome. Paulo Rafael se tornaria o fiel escudeiro de Alceu Valença até hoje, e Robertinho depois de gravar discos excelentes na linha "guita-hero", preferiu se tornar um produtor e Ivinho chegou a gravar um disco "ao vivo" no Festival de Montreaux.
Ouvir o disco é se espantar a cada momento e se sentir hipnotizado pela seqüência poderosa de improvisos num clima que não se iguala a quase nenhum outro disco gravado antes. Um dos destaques é a faixa “Nas Paredes da Pedra Encantada”, chamado de progressivo no melhor estilos das batidas alagoanas e que chegou a ser regravada com outro arranjo com o nome de "Os Segredos de Sumé" no LP "Força Verde de Zé Ramalho. Porem, há outros momentos fantásticos com toda uma ousadia do sertão, com seus desfechos surpreendentes que merecem atenção a todo momento, pela gama de informação poderosa de improvisos ricos, num ritmo ora muito frenético mas também fascinante.
Quando alguém se surpreender com o fato de que algum desses músicos que consolidaram suas carreiras na musica popular, baseado no formato padrão de canções letradas, é sempre bom frisar que há ali entre eles um prazer com o lado mais puro das canções que é o instrumental, como na musica instrumental gravada anos depois num disco de Zé Ramalho em parceria com Geraldo Azevedo, “Bicho de sete cabeças” , de ótimo bom gosto. "Paêbirú" mostra que nem só de repentes, baião e forró se vive o nordeste, mas também, de toda a pscodélia spacial proveniente dos céus.
1.Trilha de Sumé
2.Culto à Terra
3.Bailado das Muscarias
4.Harpa dos Ares
5.Não Existe Molhado Igual ao Pranto
6.O M M
7.Raga dos Raios
8.Nas Paredes da Pedra Encantada
9.Marácas de Fogo
10.Louvação a Iemanjá
11.Regato da Montanha
12.Beira Mar
13.Pedra Templo Animal
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2 comentários:
Este disco é uma raridade, vou conferir agora.
Brigadão Laís.
Abraços.
Psicodelia nordestina de excelente qualidade.
Valeu!
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